FESTin 2014 — Short Film Competition: Part I
A variedade e ambivalências dos universos onde o Português é língua oficial foram o mote das sessões 2 e 3 da Competição de Curtas-Metragens do FESTin 2014: quase sem ser necessário consultar os detalhes da programação do Festival nem escutar os diálogos das personagens, revela-se rapidamente identificável a origem geográfica dos títulos em exibição a partir dos seus planos iniciais.
À cor, vitalidade e positivismo das produções brasileiras, opõe-se o sombrio e desânimo das curtas-metragens portuguesas em competição. A crise económica e social de Portugal são o foco essencial de VIDA TRAMADA (Salvador Palma e Rui Rodrigues), O VAZIO ENTRE NÓS (Miguel Pinho), PERTO (José Retré) e A COR DOS SONHOS (João Pina), obras que exploram, invariavelmente, o desemprego real — ou o seu espectro — e as dificuldades financeiras da classe média. Poder-se-ia falar de ausência de originalidade temática, mas ressalta mais a inépcia técnica e os "tiques de primeira obra" demonstradas em todos estes quatro títulos — excepção feita a VIDA TRAMADA e ao seu conjunto bem coreografado de planos-sequência, capaz de esbater a mediania apresentada.
Realce para as duas obras que contornaram a tendência entre as produções portuguesas: BUÉ SABI (Patrícia Vidal Delgado) — cativante retrato juvenil onde a actriz Inês Worm-Tirone, de temperamental protagonismo, surge-nos como autêntica revelação — e LUÍS (do crítico João Lopes), que ganharia frutífero impacto se tivesse investido mais no seu carácter de filme institucional do que no experimentalismo.
Do outro lado do Atlântico, A ROZA (Marieta Cazarré e Juliano Cazarré) será provavelmente o melhor filme visualizado até ao momento: de simplicidade narrativa e eficácia emocional, esta livre adaptação de um conto do escritor gaúcho Simões Lopes Neto ostenta uma verve trágica que nem a sua animação digital consegue disfarçar.
O Brasil apresentou no FESTin duas curiosas curtas-metragens documentais: AS MEMÓRIAS DO VOVÔ (Cíntia Langie), sobre a vida e obra de Francisco Santos, pioneiro do cinema no Brasil, e LEVE-ME P'RA SAIR (Coletivo Lumika), as confissões de um grupo de adolescentes que assumiram a sua homossexualidade. Ambas interessantes mas que não demonstram capacidade de permanecerem na memória do espectador por muito tempo. O mesmo se poderá aplicar ao âmbito LGBT de O PACOTE (Rafael Aidar), cuja concretização, mundialmente premiada, não tira todo o partido do poder da sua sólida premissa.
CASALATA (Lara Plácido e Ângelo Lopes), uma das duas obras cabo-verdianas em Competição, parte do neologismo do seu título — a "lata" alude ao recurso ao revestimento de boiões de óleo como material para a construção ilegal de residências na ilha de São Vicente — para reflectir sobre o dilema do défice habitacional de algumas ilhas do arquipélago. O problema fica detalhado, apesar da visível falta de recursos técnicos à mercê dos realizadores.
Classificações individuais
- AS MEMÓRIAS DO VOVÔ
- VIDA TRAMADA
- A ROZA
- O VAZIO ENTRE NÓS
- CASALATA
- PERTO
- A COR DOS SONHOS
- LEVE-ME P'RA SAIR
- BUÉ SABI
- O PACOTE
- LUÍS
Bom resumo destes dois dias, Samuel. Partilho da preferência por A Roza e Bué Sabi, duas boas surpresas.
ResponderEliminarCumprimentos cinéfilos :*